"Ser Corinthiano é descobrir que todo ano a gente vai sofrer." - Gilberto Gil
28.11.03
1978 - 1984 - A Era Socrática
Para mim, foi o primeiro grande ídolo. Alto, magro, feio e desengonçado é símbolo do Corinthians. Não deixa de ser uma grande ironia que seu irmão mais novo, boa-pinta, seja o seu equivalente no São Paulo, o time dos bambis.
Sócrates era médico, articulado, bebia (muito - ainda bebe, eu acho) e fumava. Nada a ver com o perfil de atleta profissional. No início, não comemorava os gols que marcava. Depois, mudou - ou a torcida ou o time mudaram ele, enfim. A partir de um determinado momento, vibrava e muito com seus gols.
Seu toque de calcanhar, jogada característica, desarmava defesas e enchiam os olhos de qualquer um. Se bobeasse, fazia chover em campo. Como certa vez li, Sócrates pode não ter sido o melhor jogador do Corinthians, mas com certeza, foi o mais original.
1982 - Democracia, afinal. A Democracia Corinthiana.
"Tenho certeza de que a vitória do Corinthians deve levar a vitórias essenciais na vida. E vai levar a tanto. Acreditamos, sempre de novo, nesta era que está para chegar em favor do povo, com a participação do povo e criada pelo mesmo povo.”
Dom Paulo Evaristo Arns em "Pastoral ao Povo Corinthiano", 1977
Não, vocês não estão lendo errado. Não é o Corinthians jogando. Vamos às explicações, então.
Naquele ano, o São Paulo havia feito dois amistosos. Um contra o Palmeiras e outro contra o Corinthians. Duas goleadas. Vai daí que lá por algum campeonato que não me lembro direito qual era, teve um São Paulo e Palmeiras. O melhor atrativo é que no antes do jogo teria uma disputa inter-colegial de um treco que os americanos inventaram.
Este treco consistia em fazer com que o jogador de linha saísse de fora da área, com a bola dominada, contra um goleiro sozinho. Ou seja, meio gol. Bom, o lance é que quem iria estar jogando era justamente o pessoal do meu colégio. Juntando isto ao fato dos meus pais serem são-paulinos, foi uma ótima chance que meu pai encontrou para me levar para o Morumbi.
Teria dado quase tudo certo se não fossem alguns detalhes - meu pai resolveu levar uma revista (acho que era Istoé), para ler enquanto o jogo não começasse. Os policiais, encarregados da segurança, viram na revista uma arma em potencial - afinal, ela poderia causar imensos danos em caso de briga dentro do estádio. Juntando a truculência da polícia ao pouco jogo de cintura paterna ("vocês estão infringindo meus direitos!!!" - sim, estavam, mas ele também nâo precisava gritar, nem tentar dar umas revistadas no guarda), o que se deu foi uma baita confusão, ameaça de prisão e tudo mais. Tudo só acabou quando meu pai resolveu jogar a revista fora.
Dentro do estádio, o Regina Mundi perdeu, o São Paulo passou por cima do Palmeiras e meu pai descobriu que eu era míope, porque não conseguia ler direito as informações que apareciam no placar. Foi a última vez que meu pai foi a um estádio de futebol.
Mais uma vez, a Fiel Torcida lotou o Morumbi. Mais uma vez, a pergunta se fazia: "quando é que o Corinthians vai vencer mesmo?". O time da Ponte, dizem, era melhor. Contava com Carlos, Oscar, Pollozzi, Dicá. O Timão, com formação parecida com a de 76, mais o reforço de Palhinha, recém-chegado do Cruzeiro.
Lá pelas tantas, Carlos, que ficou famoso pela má-sorte (ele foi o goleiro do Brasil na Copa de 86. Aquele que, na disputa de pênaltis contra a França, foi para o lado certo, a bola bateu na trave, nas costas dele e gol francês), sai do gol em uma dividida com Palhinha. A bola bate nele, no rosto de Palhinha e gol!! Corinthians 1 x 0 Ponte.
Segundo Jogo
Aqui, a pergunta não era mais se o Corinthians iria vencer ou quando, e sim, como. O maior público já presente no Morumbi foi naquele domingo para, finalmente, gritar "É campeão!". As coisas iam de acordo com o script previsto por Sâo Jorge: gol de Vaguinho, logo no início do jogo.
Aí, a coisa começou a desandar. A Ponte empatou e logo depois virou o jogo. Eu morava na Vila Carioca, na época, e em meu condomínio existia um grande número de são-paulinos e palmeirenses. Ao final do jogo, foram todos para o pátio comemorar a vitória do time de Campinas. O passatempo predileto deles era cantar "Parabéns a Você" e ir contando, um a um, os anos em que o Corinthians estava na fila. Corinthians 1 x 2 Ponte Preta.
Terceiro Jogo
Lembro do Ruy Rei sendo expulso, ainda no primeiro tempo. Lembro do gol, sim, o gol redentor: cobrança de falta, bola na trave, bola sendo tirada em cima da linha pelo zagueiro da Ponte e, finalmente, o pé salvador de Basílio, o pé-de-anjo. Gol!! O gol do título!! Cadê meus vizinhos são-paulinos e palmeirenses, cadê?? O dia seguinte, no colégio, vários novos corinthianos comemoravam. A cidade estava em preto e branco. O Corinthians, finalmente, era campeão. Corinthians 1 x 0 Ponte.
Corinthians x Ponte - final do Campeonato Paulista de 1977
''Corinthians, para nós, é o símbolo da esperança.(...)
O Corinthians é mesmo o símbolo do povo que não chega lá. Do povo que sofre todas as decepções, desde as mais legítimas, como também as de seus sonhos. Mas é um povo que aguenta. Que é humilde. Povo que se abate, mas que, ao mesmo tempo, sabe que precisa recomeçar. E recomeça mesmo! Está presente em todas as próximas lutas. Recomeça.(...)
É isto o espelho do povo? Ou a sua realidade mesma? Ou, ainda, alienação desta realidade, para refugiar-se em alguma coisa que se passa no campo, mas que tem interferências incalculadas? Minha pergunta mais séria é esta: quando é que o Corinthians vai vencer mesmo?"
Dom Paulo Evaristo Arns em "Pastoral ao Povo Corinthiano", 1977
Internacional 2 x 0 Corinthians - Campeonato Brasileiro 1976
Finalmente, a final! Mais de vinte anos de espera para todo e qualquer corinthiano gritar "È campeão!!!". E isto valia até mais para um garoto com 7 anos de idade, que mal sabia o que significava a palavra "fila".
O jogo seria em Porto Alegre, pouco importava se o adversário era mais forte. Embalado pela vitória no Rio de Janeiro, tinha a certeza que na segunda-feira eu poderia falar para os colegas de escola que meu time era o melhor do Brasil, mesmo que a noção de Brasil fosse um tanto vaga na minha cabeça.
Só que só esqueceram de avisar o adversário. Um gol de falta (aquela bola não entrou! gritei eu no dia) e outro de cabeça. Deste jeito assim que meu primeiro sonho de futebol se acabou.
Lembro do meu pai falar que, ora bolas, futebol não é uma coisa tão importante para se chorar, mas para mim estava claro e certo que o Corinthians tinha sido roubado pelo juiz e que a melhor coisa que eu podia fazer era chorar.
No dia seguinte, vi na televisão outra pessoa chorando, no avião que trazia os jogadores de volta: Vicente Matheus.
O sonho de ser campeão teria que ser adiado. Para o ano seguinte.
Corinthians 1 (4) x (1) 1 Fluminense - Campeonato Brasileiro 1976
Chovia pacas no Rio de Janeiro. Parecia que a coisa tinha sido combinada, já que com campo seco, as coisas para o Corinthians teriam sido bem mais complicadas, provavelmente.
O Fluminense era chamado de "supermáquina" ou coisa parecida. E tinha Rivellino, aquele que havia sido expulso do Parque S. Jorge alguns anos atrás. Para ele, seria um jogo ideal para se vingar.
Mas o esforçado time do Corinthians encontrou mais força e conseguiu empatar o jogo no tempo normal, levando o jogo para a prorrogação e, depois, para os pênaltis. Ali, Tobias só pegou 3 pênaltis, virando herói e colocando o Timão na final.
Este jogo também mostrou ao Brasil a força da torcida corinthiana. Mais de 70 mil torcedores se jogaram pela Dutra para, literalmente invadir o Rio de Janeiro. Disse Nélson Rodrigues, à época: " Um turista que passasse por aqui passasse havia de anotar no seu caderninho: 'O Rio é uma cidade ocupada'. Os corinthianos passavam a toda hora e em toda a parte.
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Nâo cabe aqui falar em técnico. O que influiu e decidiu o jogo foi a torcida. A torcida empurrou o time para o empate."
Ele deveria ter dito vitória, mas vamos descontar pelo fato do tricolor dele ter perdido..
Corinthians 1 x 1 Internacional - Campeonato Brasileiro de 1976
O jogo foi no Pacaembu, ou no Morumbi, não me lembro. O time do Corinthians não era lá grandes coisas: Tobias, Moisés, Ruço. Tinha o Zé Maria e o Vladimir, sim, mas era um time esforçado.
O Inter era o atual campeão brasileiro e, provavelmente, era um dos melhores times do mundo na época: Falcão, Carpeggiani, Figueroa...
Mas o fato é que até um determinado momento do segundo tempo, estávamos ganhando, até que Falcão empatou com um chute de fora (ou será que foi dentro?) da área. 1 a 1. Quem mais me impressionou naquele jogo foi justamente Falcão, nunca tinha ouvido falar dele.
Um belo dia, me descobri corinthiano. Nâo sei precisar ao certo o dia, o ano, o momento. Sei que durante o campeonato brasileiro de 1976, já torcia pelo Corinthians. Até hoje, minha mãe contesta este fato, dizendo que eu era são-paulino e que virei casaca com o título de 77. Não, isto não pode ter ocorrido desta forma, porque me lembro bem de um certo Corinthians 1 x 1 Internacional, ainda na fase classificatória.
Senhoras e senhores, claramente inspirado por Nick Hornby, em Febre de Bola, aqui estão as memórias afetivas de um corinthiano. Não tenho a intenção de ser preciso nas informações aqui encontradas, nem vou correr atrás disto, porque o que importa são as versões, e não os fatos.